Fonte: Ciência e Saúde do CB, por Paloma Oliveto em 12/08/2018
Seguir dietas da moda não garante o emagrecimento duradouro e ainda pode ameaçar o bom funcionamento do corpo, alertam especialistas. Estudo suíço relaciona o famoso regime de restrição de carboidratos ao aumento do risco de diabetes 2.
Estudos sobre as dietas da moda mostram que, no fim, todas trazem resultados semelhantes e pouco duradouros(foto: Arte/CB/D.A Press)
Quando o agente funerário londrino William Banting lançou, em 1863, um livrinho de 22 páginas contando como conseguiu perder 22kg em um ano, não podia imaginar que estava inaugurando um gênero literário extremamente lucrativo. Carta sobre a corpulência, considerada por historiadores a primeira obra sobre emagrecimento, foi um sucesso estrondoso, vendendo 63 mil cópias só na Inglaterra — um número bom até para os dias de hoje. O filão descoberto por Banting tem sido, desde então, exaustivamente explorado, sendo um dos carros-chefes da rentável indústria da dieta, que, somente nos EUA, movimenta mais de US$ 70 bilhões por ano.
À medida que aumentam os títulos, porém, cresce também o número de obesos no mundo. Estudos sobre as dietas da moda mostram que, no fim, todas trazem resultados semelhantes e pouco duradouros. Com um alerta: podem causar danos graves à saúde. Foi o que indicou um artigo publicado, na quinta-feira, no Journal of Physiology, revista da Sociedade de Fisiologia da Inglaterra. O trabalho, conduzido pelo Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, constatou que um dos regimes mais vendidos em best-sellers, o cetogênico, aumenta o risco de diabetes 2. Isso mesmo no começo da dieta, que tem diferentes fases. Embora existam variações de nome, como Atkins, Duncan e, mais recentemente, low carb, a cetogênica consiste em, essencialmente, aumentar a gordura e quase eliminar o carboidrato.Conhecida como um dos esquemas que mais emagrecem, essa dieta se popularizou na década de 1970, quando o cardiologista norte-americano Robert Atkins lançou a primeira edição de A dieta revolucionária do Dr. Atkins. A versão inicial do livro, relançado diversas vezes com modificações, trazia uma proposta bastante radical e, ao mesmo tempo, palatável para os padrões alimentares norte-americanos. Nada de verduras, legumes, açúcares e massas. Em compensação, muita carne (incluindo gordurosas e embutidas), queijo gordo, óleo, manteiga e ovo frito.
O princípio dessa e de outras versões é um processo chamado cetose, descrito na década de 1920. Quando o organismo é privado desse composto, começa a usar glicose como principal fonte de combustível para queimar gordura e produzir cetonas, substâncias orgânicas que fornecem energia. A proposta de Atkins ficou sob ataque da medicina quando estudos evidenciaram que o excesso de gordura pode causar o entupimento das artérias, provocando de infartos a acidentes vasculares cerebrais (o próprio médico morreu em decorrência de ataque cardíaco, com mais de 100kg, embora o cardiologista dele tenha declarado que a fatalidade não teve relação com escolhas alimentares). Ao mesmo tempo, outras pesquisas indicaram que, quando orientada corretamente, a dieta cetogênica pode beneficiar o organismo de diversas formas.
Deturpações
O problema, segundo especialistas, é que autores de dietas da moda deturpam o conceito cetogênico. Edward Weiss, professor de nutrição e dietética da Universidade de Saint Louis, diz que a forma popularizada em livros e blogs incorre em alguns erros. “Originalmente, para ocorrer cetose, não é preciso aumentar níveis de proteína, o consumo deve ser normal. Se há muita proteína na dieta, o corpo vai usá-la para produzir carboidratos, o que invalida a proposta”, observa. “Quando estamos suficientemente privados de carboidrato, nosso organismo fabrica corpos cetônicos como combustível alternativo. Isso é um sistema emergencial, que nos permite sobreviver quando há risco de inanição. Porém, à custa de efeitos colaterais”, observa.
Esse regime sequer foi criado para emagrecimento e, sim, como tratamento da epilepsia, para o controle das convulsões em pacientes com distúrbios metabólicos. Nesses casos, a pessoa é internada, submetida a um jejum monitorado pela equipe médica e entra no esquema de 80% de gorduras, 15% de proteínas e 5% de carboidrato. A razão entre gordura e carboidrato mais proteína varia de dois para um ou quaro para um, sendo que a última é também a que promove melhores resultados. Contudo, o procedimento é acompanhado e realizado por períodos controlados.
Weiss, autor de um estudo que mostra como a dieta cetogênica prejudica a performance anaeróbica dos atletas, não recomenda que o protocolo seja usado para emagrecimento. “Algumas pesquisas mostram que ela é efetiva, mas me preocupo que seja um fenômeno ilusório. Sessenta por cento de uma dieta típica vem dos carboidratos. Então, se você limita carboidrato, pode descobrir que, na verdade, não está comendo tanto. Se elimina a maior parte das opções alimentares, você pode estar perdendo peso porque está cortando calorias”, acredita.
Insulina alta
Para a equipe do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, o estudo publicado no Journal of Physiology acende o alerta sobre dietas cetogênicas, mesmo tendo sido feito em ratos. No trabalho, os pesquisadores alimentaram os animais com uma dieta rica em gordura e pobre em carboidrato. Três dias depois, eles apresentavam níveis elevados de insulina.
“Esse hormônio é lançado no sangue para controlar os níveis de açúcar, inclusive avisando o fígado para parar de produzir glicose. Se esse sistema sofre algum dano e o organismo não utiliza a insulina apropriadamente, situação a que chamamos de resistência à insulina, o indivíduo provavelmente desenvolverá taxas altas de açúcar no sangue”, diz Christian Wolfrum, autor correspondente e pesquisador do Instituto de Alimentos, Nutrição e Saúde da Suíça. No estudo, observou-se que a dieta cetogênica dificulta esse processo, o que pode levar ao risco aumentado de diabetes 2.
O presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (Sbem), Fábio Trujilho, afirma que não existem dietas “do mal”. “Mas também não existem milagres”, diz. “Seja a mediterrânea, o jejum intermitente, a cetogênica ou a low carb, se a pessoa não tiver o perfil, não terá benefícios. Por isso a importância de se fazer acompanhamento com um nutricionista ou um endocrinologista. O problema é que as pessoas fazem dieta para caber em uma roupa, mas, para emagrecer, é preciso mudar o estilo de vida”, observa. O tema dietas da moda esteve presente em várias mesas do 33º Congresso Brasileiro de Endocrinologia e Metabologia, encerrado ontem, em Belo Horizonte.
Prova de que há muito pouca diferença nos resultados alcançados pelas dietas da moda foi um estudo publicado, há dois anos, na revista da Associação Médica dos Estados Unidos. Os autores fizeram uma revisão de 58 artigos sobre regimes de emagrecimento com dados de 7.286 pessoas, acompanhadas por até dois anos. “As diferenças de perda de peso entre as dietas foram mínimas”, diz a pesquisa. A conclusão, segundo os autores, é que, para perder peso e manter o emagrecimento, não importa o tipo de cardápio, mas a adesão ao programa.
"Quando estamos suficientemente privados de carboidrato, nosso organismo fabrica corpos cetônicos como um combustível alternativo. Isso é um sistema emergencial (…) Porém, à custa de efeitos colaterais”
Edward Weiss, professor de nutrição e dietética da Universidade de Saint Louis