Sistema ajuda a explicar o impulso de vertebrados pelo consumo de alimentos doces.
Fonte : Pesquisa FAPESP -por MARIA GUIMARÃES | Edição Online de 25 de janeiro de 2016
Pode parecer surpreendente, mas entre se deliciar com sobremesas adoçadas com substâncias artificiais não calóricas e comer algo meio ruim, mas nutritivo, outros vertebrados (seres humanos podem ser uma exceção) escolhem a segunda opção. Isso acontece, de acordo com o neurocientista brasileiro Ivan de Araújo, da universidade norte-americana Yale, porque a percepção do prazer (hedônica) e da nutrição se dá por vias diferentes no sistema nervoso. Trata-se das partes ventral e dorsal do estriado, uma região do sistema subcortical, no miolo do cérebro. O achado, publicado em 25 de janeiro no site da revista Nature Neuroscience, é parte da busca pela morada da gula no cérebro, que o pesquisador vem empreendendo em colaboração com a neuroanatomista Sara Shammah-Lagnado, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), e a biomédica Tatiana Ferreira, da Universidade Federal do ABC (UFABC), além de outros pesquisadores radicados nos Estados Unidos (ver tambémPesquisa FAPESP nº 147).
Em uma série de experimentos com camundongos, Araújo montou um sistema em que era possível dissociar aquilo que chegava ao organismo do sabor detectado na língua. Os animais lambiam um líquido adocicado de um bebedouro e recebiam soluções contendo açúcar (D-glicose) ou um adoçante sem conteúdo calórico (sucralose) injetadas diretamente no sistema digestivo. Os resultados mostraram que o sistema estriado ventral se deixa enganar pelo sabor e libera dopamina – neurotransmissor ligado ao sistema de recompensa – mesmo quando o animal recebe apenas adoçante artificial. O estriado dorsal, por outro lado, só reage a açúcar, independentemente do sabor.
Os pesquisadores fizeram uma sucessão de experimentos para deslindar os circuitos neuronais. Mesmo naquele em que o sabor doce era disfarçado por uma substância amarga, a solução de açúcar se mostrou atraente para os roedores, que produziam mais dopamina em resposta ao aporte de energia. Em situações nas quais as duas vias recebem informações contraditórias, o pesquisador mostrou que a reação da dorsal se sobrepõe.
É mais um indício de que o apetite pelo doce faz parte de uma estratégia de sobrevivência quase tão antiga quanto a vida, como Araújo já reiterava em trabalhos anteriores. É um sistema de reforço, segundo ele, que evoluiu ligado às necessidades nutricionais dos organismos e leva o animal a repetir o comportamento sempre que possível. “Os estriados ventral e dorsal são evolutivamente bem conservados, todos os vertebrados expressam essa divisão”, explica, sugerindo que os resultados observados em camundongos podem valer para outros animais também. Inclusive as pessoas, até certo ponto. “Nós aprendemos a associar valores hedônicos com o aspecto nutricional”, relativiza. “O mercado produz produtos agradáveis, do contrário ninguém compraria.”
A ativação dos circuitos estriados pela ingestão de açúcar, com consequente liberação de dopamina, tem um efeito forte na ativação de circuitos motores de ingestão e mastigação, de maneira que o combate ao consumo de açúcar é uma luta inglória. É uma justificativa para quem comete a incoerência de pôr adoçante no café enquanto come uma torta de chocolate.
Projeto
Caracterização dos microcircuitos neurais reguladores das compulsões por carboidratos (nº 13/09405-3); Modalidade Bolsa no exterior – Pós-doutorado; Beneficiário Tatiana Lima Ferreira (UFABC)
Artigo científico
TELLEZ, L. A. et al. Separate circuitries encode the hedonic and nutritional values of sugar. Nature Neuroscience, on-line, 25 jan 2016.